- Rafael Gloria
Cinco poemas
Descoberta
No condomínio, lá pelas cinco e meia da madrugada, se ouve devagar
o primeiro abrir dos chuveiros no apartamento ao lado
no outro, pouco mais acima uma criança chora, e acorda
quem ainda não quer
(É quase a hora de dar os primeiros passos, e levantar pra vida.).
À esquerda, no JK atrás da parede a moça tem pesadelo,
e grita para todo mundo e ninguém ouvir.
Em breve, mais chuveiros e mais chuveiros serão violentamente ligados.
E, abruptamente, os corpos levantarão.
Atordoados, ainda sem entender o que acontece, onde estão, aonde vão.
A quem nada atenua
Gosta de me ver como
se não percebesse.
E interpretar dos meus calos,
os seus descasos.
Jogar na cara:
Sempre, nunca de vez em quando,
tudo que eu mereço.
- E eu mereço?
Depois dorme e acorda;
sem nenhuma problema;
sem nenhum arrependimento.
Enquanto a maioria da gente não consegue pregar o olho à noite.
Que nunca termina
Ainda finge que é casada.
Coloca os dois pratos na mesa
e na hora de dormir
procura o abraço por entre
os travesseiros.
Perde para o cansaço apenas depois das três.
Lembra até do forte barulho ao respirar
e dos, vários, tiques
ao dormir.
O calçado ainda está na mesma posição.
Assim como despertador
pronto para tocar.
Tempo que não volta,
hora que nunca termina.
Essa é a sina.
Assina.
Assassina.
lá embaixo
Fim de festa, chega no ouvido e diz que
só não vou para sua casa porque ela tá sangrando.
Eu também estou, e acho que tá todo mundo assim, de alguma forma.
Mas o dela é lá embaixo por entre as pernas, quente, jocoso e jorra, provando que ainda há vida, que ainda poderá ter vida.
Para eu e você, para ele e ela que dormiram e àqueles que se aventuram na agrura mais profunda dos corpos.
Disse que em outra oportunidade daqui uns dias, daqui uma semana; por que não há a vida toda na frente para a gente se afogar
Acorda, agora.
Sete da manhã
quando me convence a levantar.
Estica o braço e puxa meu corpo
para fora da cama.
Desembala.
Sol invade as frestas da cortina.
As poeiras são pequenas estrelas
[estrelas imundas é verdade]
nesse pequeno céu amanhecido.
Desembala
a calma,
o café servido,
o rádio ligado.
O dia e todas as obrigações
invadirão
o seu corpo novamente.
Então, devagar, desembala.